*Tudo Passa ...


Na vida tudo passa
Não importa o que tu faça
O que te fazia rir
Hoje não tem mais graça
Tudo muda
Tudo troca de lugar
O filme é o mesmo
Só o elenco que tem que mudar
Que alterar pra poder se encaixar
Se não for pra ser feliz
É melhor largar
Então se ligue
E busque felicidade
Pra existir história
Tem que existir verdade
Numa estrela cadente
O sonho se faz presente
No compasso do batuque
De um coração doente
A fera ta ferida
Mas não ta morta
Deus fecha a janela
Mas deixa aberta a porta.

Porque o sol
Não se tampa com uma peneira
Pra quem já ta molhado
Um pingo é besteira
Renovo minha força
Vendo o sol se pôr
Pensamento longe
Renovo meu amor
Minha voz faz eco
É como a tristeza que eu veto
Não importa qual o papo
O papo aqui tem que ser reto
E cada chaga
Que a gente traz na alma
É a confirmação
De que a ferida sara
E se restaura,
Já foi cicatrizada
Eleve suas mãos pros céus
Que tua alma tá blindada
Pois ninguém vive conto de fadas
Prefiro meu degrau
Do que a sua escada

Que por sinal
É pra subir e pra descer
Um degrau de cada vez
É assim que tem que ser
Tá entendendo
O que eu to falando?
Caiu a ficha
Ou ainda ta boiando?
Minhas palavras pairam pelo ar
E o meu show
Tem que continuar
Por isso eu continuo
No rap eu destruo
Como dizia Ali
Dou ferroadas e flutuo
Que nem no ringue
Tem que ter molejo
Na minha criação
A força vence o medo

Sem querer controlar
O que sinto
Vivo sem deixar sombras no tempo

Então se ligue
Busque felicidade
Pra existir história tem que existir verdade
Então se ligue...
Pra existir história tem que existir verdade


*Música: Tudo Passa Túlio Deck e Di Ferrero

* Os Nove Estágios da Concentração Meditativa



Existem nove níveis de concentração meditativa. Os primeiros são os quatro dhyanas, que são concentrações no reino da forma [sânsc. rupadhatu, rupaloka]. Os cinco níveis seguintes pertencem à dimensão sem forma [sânsc. arupadhatu, arupaloka]. Quando praticamos o primeiro dhyana, ainda estamos pensando. Nos outros oito níveis, o pensar dá lugar a outras energias. A concentração na dimensão sem forma também é praticada por outras tradições, mas fora do buddhismo sua finalidade geralmente é a de escapar do sofrimento e a de não atingir a liberação, que surge quando o sofrimento é compreendido. Quando você usa concentração para fugir de si mesmo ou de sua situação, está praticando a concentração errônea. Às vezes, precisamos escapar de nossos problemas para termos um pouco de alívio mas, mais cedo ou mais tarde, será preciso retornar e enfrentar aquilo que evitamos. A concentração mundana procura a fuga. A concentração supramundana busca a verdadeira libertação.

Praticar o samadhi é viver com profundidade cada momento que nos é dado. Samadhi significa concentração. Para podermos nos concentrar, temos de estar conscientes, totalmente presentes e conscientes do que acontece. A atenção plena gera a concentração. Quando estamos profundamente concentrados, iso significa que estamos absorvidos no momento. Nos tornamos o momento presente. É por isso que o samadhi às vezes é traduzido como "absorção". A atenção plena correta e a concentração correta nos elevam acima dos reinos dos prazeres dos sentidos e dos desejos, tornando-nos mais leves e mais felizes. Nosso mundo já não é tão grosseiro e pesado — o reino dos desejos [sânsc. kamadhatu, kamaloka] —, mas é o reino da materialidade sutil, ou o reino da forma [sânsc. rupadhatu, rupaloka].

No reino da forma, existem quatro níveis de dhyana. Através desses quatro níveis, a atenção plena, a concentração, a alegria, a felicidade, a paz e a equanimidade continuam a crescer. Depois do quarto dhyana, o praticante penetra em uma experiência mais profunda de concentração — os quatro dhyanas sem forma — em que é possível enxergar a realidade com maior profundidade. Aqui, o desejo sensual e a materialidade revelam sua natureza ilusória e deixam de ser obstáculos. A pessoa começa finalmente a enxergar a natureza impermanente, impessoal e interdependente do mundo fenomênico. A terra, a água, o ar, o fogo, o espaço, o tempo, o nada, e as percepções, são todos interdependentes, necessitam uns dos outros para existir. Nada pode existir por si mesmo, independente do resto.

O objeto do quinto nível de concentração é o espaço ilimitado. Quando começamos a praticar este tipo de concentração, tudo parece ser espaço. Mas à medida que aprofundamos a prática, vemos que o espaço na verdade é composto de elementos "não-espaço", como terra, água, ar, fogo e consciência, e só existe neles. Considerando-se que o espaço é apenas um entre os seis elementos que compõem todas as coisas materiais, concluímos que ele não tem existência independente. De acordo com os ensinamentos de Buddha, nada tem existência separada. Portanto, o espaço é tudo o que é interdependente, sendo totalmente dependente dos outros cinco elementos.

O objeto do sexto nível de concentração é a consciência ilimitada. Inicialmente, vemos apenas consciência em tudo, mas aos poucos começamos a perceber que a consciência também é terra, água, ar, fogo e espaço. Tudo o que é verdadeiro em relação ao espaço também é verdadeiro em relação à consciência.

O objeto do sétimo nível de concentração é o nada. Com a percepção normal, vemos flores, frutas, bules e mesas, e achamos que eles existem independentemente uns dos outros. Mas quando observamos essa realidade mais profundamente, vemos que a fruta está dentro da flor, e que a flor, a nuvem e a terra estão dentro da fruta. Ao ultrapassarmos as aparências externas ou sinais, chegamos à "ausência de sinais". Primeiro pensamos que os membros de nossas família são separados uns dos outros. Você é como é porque eu sou como sou. Percebemos a conexão íntima que existe entre as pessoas, e passamos a funcionar além dos sinais. Antigamente chegávamos que o universo fosse povoado por milhões de entidades separadas. Agora entendemos a total "irrealidade dos sinais".

O oitavo nível de concentração é um nível onde não há nem percepção nem ausência de percepção. Reconhecemos que tudo é produzido por nossas percepções, que são, ao menos parcialmente, incorretas. Assim, entendemos que não devemos acreditar inteiramente em nossa forma anterior de ver o mundo, e buscamos um contato mais direto com a realidade. Certamente, não podemos nos impedir de perceber, mas agora pelo menos já sabemos que a "percepção" significada a percepção de um sinal. uma vez que já não mais acreditamos na realidade dos sinais, nossa percepção se transforma em sabedoria. Ultrapassamos os sinais (não-percepção), mas não nos transformamos em seres desprovidos de percepção (sem não-percepção).

O nono nível de concentração chama-se cessação. Cessação, neste sentido, significa a cessação da ignorância contida em nossas sensações e percepções, e não a cessação das sensações e percepções em si. É aqui neste nível de concentração que emerge o insight, ou verdadeira compreensão.


(Thich Nhat Hanh. The heart of the Buddha's teaching - transforming suffering
into peace, joy, and liberation: the four noble truths, the noble eightfold path
and other basic Buddhist teachings. Broadway Books: New York, 1999.)

* A Essência dos Ensinamentos do Buda


Parar, Acalmar-se, Descansar e Curar-se

Existe uma história zen sobre um homem e um cavalo. O cavalo está galopando rapidamente, e parece que o homem que cavalga se dirige a algum lugar importante. Outro homem, em pé ao lado da estrada, grita: "Aonde você está indo?" e o homem a cavalo responde: "Não sei. Pergunte ao cavalo!" Esta é a nossa história. Estamos todos sobre um cavalo, não sabemos aonde vamos e não conseguimos parar. O cavalo é a força de nossos hábitos que nos puxa, e somos impotentes diante dela. Estamos sempre correndo, e isso já se tornou um hábito. Estamos acostumados a lutar o tempo todo, até mesmo durante o sono. Estamos em guerra com nós mesmos, e é fácil declarar guerra aos outros também.

Precisamos aprender a arte de fazer cessar — parar nosso pensamento, a força de nossos hábitos, nossa desatenção, bem como as emoções intensas que nos regem. Quando uma emoção nos assola, ela se assemelha a uma tempestade, que leva consigo a nossa paz. Nós ligamos a TV e depois a desligamos, pegamos um livro e depois o deixamos de lado. O que podemos fazer para interromper este estado de agitação? Como podemos fazer cessar o medo, o desespero, a raiva e os desejos? É simples. Podemos fazer isso através da prática da respiração consciente, do caminhar consciente, do sorriso consciente e da contemplação profunda - para sermos capazes de compreender. Quando prestamos atenção e entramos em contato com o momento presente, os frutos que colhemos são a compreensão, a aceitação, o amor e o desejo de aliviar o sofrimento e fazer brotar a alegria.

Mas a força do hábito costuma ser mais forte do que nossa vontade. Dizemos e fazemos coisas que não queremos e depois nos arrependemos. Causamos sofrimento a nós mesmos e aos outros, e de forma geral produzimos grande quantidade de destruição. Podemos ter a firme intenção de nunca mais fazer isso, mas sempre acabamos fazendo de novo. Por quê? Porque a força do hábito "vashana" acaba vencendo e nos levando de roldão.

Precisamos da energia da atenção plena para perceber quando o hábito nos arrasta, e fazer cessar esse comportamento destrutivo. Com atenção plena, temos a capacidade de reconhecer a força do hábito a cada vez que ela se manifesta. "Alô força do hábito, sei que você está aí!" Nessa altura, se conseguirmos simplesmente sorrir, o hábito perderá grande parte de sua força. A atenção plena é a energia que nos permite reconhecer a força do hábito e impedi-la de nos dominar.

Por outro lado, o esquecimento ou negligência é o oposto.

Tomamos uma xícara de chá sem sequer perceber o que estamos fazendo. Sentamo-nos com a pessoa que amamos mas não percebemos que a pessoa está ali. Andamos sem realmente estar andando. Estamos sempre em outro lugar, pensando no passado ou no futuro. O cavalo dos nossos hábitos nos conduz, e somos prisioneiros dele. Precisamos deter este cavalo e resgatar nossa liberdade. Precisamos irradiar a luz da atenção plena em tudo o que fizermos, para que a escuridão do esquecimento desapareça. A primeira função da meditação — shamatha — é fazer parar.

A segunda função da shamatha é acalmar. Quando sofremos uma emoção forte, sabemos que talvez seja perigoso agir sob sua influência, mas não temos força nem clareza suficientes para nos abstermos. Precisamos aprender a arte de respirar, de inspirar e expirar, parando tudo o que estamos fazendo e acalmando nossas emoções. Precisamos aprender a nos tornar mais estáveis e firmes, como se fôssemos um carvalho, e não nos deixar arrastar pela tempestade de um lado para outro. O Buddha ensinou uma variedade de técnicas para nos ajudar a acalmar corpo e mente, e considerar a situação presente em toda a sua profundidade. Essas técnicas podem ser resumidas em cinco estágios:



  1. Reconhecimento: se estamos zangados, dizemos "reconheço que a raiva está dentro de mim".
  2. Aceitação: quando estamos zangados, não negamos a raiva. Aceitamos aquilo que está presente em
  3. Acolher: abraçamos a raiva como faz uma mãe com o filho que chora. Nossa atenção plena acolhe a emoção, e só isso já é capaz de acalmar a raiva e a nós mesmos.
  4. Olhar em profundidade: quando nos acalmamos o suficiente, conseguimos observar profundamente para entender o que provocou a raiva, ou seja, o que está fazendo o bebê chorar.
  5. Insight: o fruto do olhar profundo é a compreensão das causas e condições, tanto primárias quanto secundárias, que provocaram a raiva e fizeram nosso bebê chorar. Talvez ele esteja com fome. Talvez o alfinete da fralda o esteja machucando. Talvez nossa raiva tenha surgido quando um amigo nos falou em um tom ofensivo, mas de repente nos lembramos de que essa pessoa não está bem hoje porque seu pai está muito doente. Continuamos a refletir dessa forma até compreendermos a causa de nosso atual sofrimento. A compreensão nos dirá o que fazer ou não fazer para mudar a situação.

Depois de nos acalmarmos, a terceira função da shamatha é o repouso. Suponha que alguém nas margens de um rio joga uma pedra para o ar e a pedra cai no rio. A pedra afunda lentamente e chega ao fundo do rio sem esforço algum. Depois que a pedra chega ao fundo do rio, ela descansa, deixando que a água passe por ela. Quando sentamos para meditar podemos nos permitir repousar da mesma forma que essa pedra. Podemos nos deixar afundar naturalmente, na posição sentada — repousando, sem fazer esforço. Temos que aprender a arte de repousar, permitindo que nosso corpo e nossa mente descansem. Se tivermos feridas em nosso corpo e em nossa mente precisamos repousar para que elas possam por si só se curar.

O ato de se acalmar produz o repouso, e o descanso é um pré-requisito para a cura. Quando os animais selvagens estão feridos, eles procuram um lugar escondido para deitar, e descansam completamente por muitos dias. Não pensam em comida nem em mais nada. Apenas descansam, e com isso obtêm a cura de que precisam. Quando nós seres humanos ficamos doentes, nos preocupamos o tempo todo. Procuramos médicos e remédios, mas não paramos. Mesmo quando vamos para a praia ou para as montanhas com a intenção de descansar, não chegamos realmente a repousar, e voltamos mais cansados do que partimos. Temos que aprender a repousar. A posição deitada não é a única posição de descanso que existe. Podemos descansar muito bem durante meditações sentados ou caminhando. A meditação não deve ser um trabalho árduo. Simplesmente permita que seu corpo e sua mente descansem, como o animal no mato. Não lute. Não há necessidade de fazer nada nem realizar nada. Eu estou escrevendo um livro, mas não estou lutando. Estou descansando. Por favor, leiam este livro de uma forma alegre e relaxante. O Buddha disse: "Meu Dharma é a prática do não-fazer."1 Pratiquem de uma forma que não seja cansativa, mas que seja capaz de proporcionar descanso ao corpo, às emoções e à consciência. Nosso corpo e mente sabem curar a si mesmos se lhes dermos uma oportunidade para isso.

Parar, acalmar-se e descansar são pré-requisitos para a cura. Se não conseguirmos parar, nosso ritmo de destruição simplesmente vai prosseguir. O mundo precisa imensamente de cura. Os indivíduos, comunidades e países estão cada vez mais necessitados de cura.


(Thich Nhat Hanh. A essência dos ensinamentos de Buda:
como transformar o sofrimento em paz, alegria e liberação.

Coleção Arco do tempo. Tradução de Anna Lobo.

* Rio dos Sentimentos . . .



Transformando os sentimentos


O primeiro passo ao lidar com os sentimentos é reconhecer cada sentimento no instante em que surge. O meio para isso é a plena consciência. No caso do medo, por exemplo, você recorre à plena consciência, olha para o medo e o reconhece como medo. Você sabe que o medo brotou de você mesmo e que a plena consciência também brotou de você mesmo. Os dois estão em você, não em luta, mas um cuidando do outro.

O segundo passo consiste em se tornar uno como sentimento. Melhor não dizer, "Vá embora, Medo. Não gosto de você. Você não é eu." Muito mais eficaz é dizer, "Oi, Medo. Como é que você está hoje?" Em seguida, você pode estimular esses seus dois aspectos, a plena consciência e o medo, a se cumprimentarem como amigos e a se unirem. Isso pode parecer assustador, mas, como você já sabe que você é mais do que seu medo, não é preciso se amedrontar. Desde que sua mente esteja alerta, ela fará companhia ao seu medo. A prática fundamental é nutrir a plena consciência com a respiração consciente, para mantê-la alerta, cheia de vida e força. Embora no inicio sua plena consciência possa não ser muito potente, se você a alimentar, ela se tornará mais forte. Contanto que a sua consciência esteja plena e presente, você não será submerso pelo medo. Na realidade, você começará a transformá-lo no exato instante em que dentro de si der à luz a percepção.

O terceiro passo é o de acalmar o sentimento. Como a consciência plena está cuidando bem do seu medo, ele começa a acalmar-se. "Inspirando, acalmo as atividades do corpo e da mente." Você acalma seu sentimento só por estar com ele, como uma mãe segurando ternamente o filhinho que chora. Ao sentir a ternura da mãe, o neném se acalma e pára de chorar. A mãe é sua mente alerta, nascida das profundezas da sua consciência, e ela tratará do sentimento da dor. A mãe que segura o bebê forma uma unidade com ele. Se a mãe estiver pensando em outras coisas, a criancinha não se acalmará. A mãe tem de abandonar as outras coisas e apenas segurar seu filhinho. Por isso, não evite seu sentimento. Não diga, "Você não é importante. Você é só um sentimento." Passe a formar uma unidade com ele. Você pode dizer, "Expirando, acalmo meu medo."

O quarto passo é largar o sentimento, soltá-lo. Graças à sua calma, você está à vontade, mesmo em meio ao medo; e sabe que esse medo não vai crescer e se transformar em algo esmagador. Quando você se descobre capaz de tomar conta do seu medo, ele já está reduzido a um mínimo, tornando-se mais brando e menos desagradável. Agora você pode sorrir para ele e deixá-lo partir, mas por favor não pare por aqui. Acalmar e largar um sentimento são apenas curas para os sintomas. Você agora tem a oportunidade de se aprofundar e trabalhar na transformação da raiz do seu medo.

O quinto passo é olhar profundamente. Você examina em profundidade o seu bebê — seu sentimento de medo — para ver o que está errado, mesmo depois que o bebê parou de chorar, mesmo depois que o medo se foi. E impossível segurar uma criança no colo o tempo todo. Por isso, você deve examiná-la para ver a causa do que está errado. Com esse exame, você verá o que o ajudará a começar a transformar o sentimento. Você perceberá, por exemplo, que seu sofrimento tem muitas causas, internas e externas ao seu corpo. Se há algo de errado em volta dele, se você conserta a situação, com carinho e cuidado, ele se sentirá melhor. Ao examinar seu bebê, você verá os elementos que o estão fazendo chorar. Ao vê-los, você saberá o que fazer e o que não fazer para transformar o sentimento e se sentir livre.

Esse processo é semelhante ao da psicoterapia. Em companhia do paciente, o terapeuta observa a natureza da dor. Muitas vezes, o terapeuta pode revelar causas de sofrimento que se originam da forma pela qual o paciente encara a vida, das opiniões que ele tem sobre si mesmo, sobre a sua cultura e o mundo em geral. O terapeuta examina esses pontos de vista e essas opiniões com o paciente, e juntos eles colaboram para libertá-lo daquele tipo de prisão em que estava. No entanto, o esforço do paciente é crucial. O professor deve trazer à luz o professor que existe dentro do aluno; e o psicoterapeuta deve trazer à luz o psicoterapeuta que está no íntimo do seu paciente. O "psicoterapeuta interno" do paciente poderá então trabalhar em tempo integral de uma forma muito eficaz.

O terapeuta não trata do paciente simplesmente lhe repassando um outro conjunto de opiniões. Ele tenta ajudar o paciente a perceber que tipos de idéias e de crenças levaram ao seu sofrimento. Muitos pacientes querem se ver livres dos sentimentos dolorosos, mas não querem se livrar das opiniões, dos pontos de vista que são as verdadeiras raízes dos seus sentimentos. Portanto, o terapeuta e o paciente têm que trabalhar juntos para ajudar o paciente a ver as coisas como elas são. O mesmo vale para quando recorremos à plena consciência para transformar nossos sentimentos. Depois de reconhecermos o sentimento, de nos tornarmos unos com ele, de o acalmarmos e de o largarmos, podemos examinar suas causas em profundidade. Elas muitas vezes se baseiam em percepções incorretas. Assim que compreendemos as causas e a natureza dos nossos sentimentos, eles começam a se transformar.


(Thich Nhat Hanh. Paz a cada passo: como manter a mente desperta em seu dia-a-dia.
Consultoria de coleção de Alzira M. Cohen, tradução de Waldéa Barcellos,
prefácios de S.S. o Dalai Lama e Odete Lara. Coleção Arco do Tempo.
Rio de Janeiro: Rocco, 1993. Pág. 73-79.

* Meditação Zazen . . .


Por Monja Coen, colunista do site e missionária oficial da tradição Soto Shu – Zen Budismo com sede no Japão.

Procure um local tranquilo, nem claro ou escuro demais, não muito quente nem frio.

Há várias maneiras de sentar-se: posição das bermudas, meia lótus, lótus completa, banquinho, cadeira. Em qualquer uma delas é importante que a coluna vertebral seja mantida ereta. O queixo um pouco para baixo, de forma que a região cervical fique reta. Verifique se seu corpo está centrado, movendo da esquerda para a direita, como um pêndulo – de movimentos largos a movimentos menores e pare exatamente em seu próprio centro de equilíbrio.

Perceba se as orelhas ficam em linha com os ombros e o nariz em linha com o umbigo. Esvazie os pulmões, soltando todo o ar profundamente pela boca, aproximadamente três vezes. Relaxe qualquer parte do corpo onde sinta tensão. Em seguida, coloque as mãos no mudra cósmico (mão direita embaixo, com a palma voltada para cima e a costa dos dedos da mão esquerda repousando na palma dos dedos da direita, mantendo a mão esquerda com a palma para cima. Encoste levemente os dois polegares, como se houvesse uma finíssima folha de seda entre eles). Perceba que suas mãos estarão formando uma elipse, assim como os planetas em torno do Sol – o cosmos em suas mãos.

Em seguida coloque a ponta da língua no palato superior, tocando de leve atrás dos dentes frontais. Isto cria um canal de comunicação de energia ao mesmo tempo em que evita muita salivação.

Mantenha os olhos entreabertos, pousados cerca de um metro e meio de distância num ângulo de 45 graus.

Assim, sem pensar e sem não-pensar, sente-se calmamente por alguns minutos. Alguns ficam em zazen por 40 minutos, outros por 30 ou mesmo 20 minutos. De qualquer maneira adapte à sua realidade. Para quem nunca praticou nenhuma forma de meditação mesmo cinco minutos pode ser um bom tempo. Não tenha pressa em querer sentar por longos períodos.

Tendo assim assentado corpo e mente, perceba sua respiração. Sinta se está sendo abdominal (ao inalar o abdome se expande ao exalar se contrai) ou torácica (a caixa torácica se expande e se contrai). Perceba seus batimentos cardíacos. Ouça todos os sons, próximos e distantes. Sinta as fragrâncias da sala, do local (pode ser ao ar livre). Perceba o ar, sua textura, sua temperatura. A luz e a sombra que se formam onde seus olhos estão pousados são também percebidas. Verifique sua postura, a posição das mãos, da coluna, da língua e oxigene áreas de tensão. Perceba seus pensamentos. Como se formam e como desaparecem. Veja se pensa em formas, palavras, música, cores, imagens. Qualquer emoção que surja deve ser notada. Assim como seu término. O mesmo para memórias. Entretanto, não fique pensando apenas, nem apenas percebendo, pois isto ainda está no plano da dualidade. Torne-se um com o uno sendo a respiração, a postura correta e a vida do universo em constante fluir.

Um momento de zazen é um momento de Buda.